Ela sequestra aulas de história e funerais, arma emboscadas para secretárias no caminho para a máquina de café, transforma trilhos em tobogãs e shopping centers em parquinhos — ela deixa a vida girando fora de controle. Diretores de cinema tentam aproveitá-la, agentes de viagens tentam vendê-la, partidos políticos tentam recrutá-la; mas a fantasia, assim como aqueles que a buscam sinceramente, não serve a
nenhum senhor.
Agora que todos os continentes foram conquistados e todas as terras exploradas, nada é mais precioso do que passagens para novos mundos. Fés produzidas em massa são assombradas por milhares de sonhos de fuga — e a ilusão tece melhores asas para a juventude ansiosa por voar do que o pragmatismo jamais ofereceu aos nossos ancestrais.
Como revolucionários, é claro que estamos lutando pelos nossos sonhos! Quando não podemos aguentar mais uma hora disto, tomamos o partido dos momentos em que surpreendemos a nós mesmo, dos lampejos em que tudo parece possível, experiências intensas que podem durar só alguns instantes — e portanto de todo impulso reprimido, prazer proibido, sonho inexplorado, todas as canções sufocadas que, livres, poderiam criar uma reviravolta jamais vista. E depois, quando a poeira assentar, vamos tomar o seu partido de novo.
Chame isto de escapista — talvez seja; mas que tipo de pessoa é mais assombrado pela ideia de escapar? Prisioneiros. Certo ou errado, egoísta ou generoso, possível ou impossível, nós vamos sair daqui.
O convite a um novo mundo pode levar uma vida ou mais para se estender; o status autoimposto de excluídos pode ser estabelecido de forma a receber as transmissões, para dar o solo no qual as sementes possam brotar. Aquele que fizer isso não está se arremessando da vida no final das contas, mas dando a ela uma porta de entrada — silenciosamente metabolizando o lixo do velho mundo para o novo, assim como outros “parasitas” fazem.
Alguma vez já reclamamos de sermos malcompreendidos, injustiçados ou ignorados? Esse destino é o que nos diferencia: nós não nos levaríamos suficientemente a sério se desejássemos que fosse de outro modo. Tudo o que é grandioso acontece longe do mercado e da fama; inventores de novos valores e arquitetos de novos paradigmas sempre se esconderam nas margens, passaram fome nos guetos, agiram nas sombras. Ainda não há espaço nas ruas ou nos jornais para os pacotes que temos para entregar.
Mas cuidado — se não forem postas em prática, as fantasias podem se
tornar vampiros que sugam a vida de seus hospedeiros; elas podem um dia servir a outros, mas elas só podem contribuir para a submissão
daqueles que nunca ousaram realizá-las.