A Licença Feminista de Produção por Pares (f2f)

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Feminista anticapitalista

A exploração comercial desta obra só é permitida a cooperativas, organizações e coletivas sem fins lucrativos, e organizações de trabalhadoras auto-geridas, que se identificam e se organizam sob princípios feministas. Qualquer excedente ou mais-valia obtida do exercício dos direitos concedidos por esta licença sobre a obra deve ser reinvestida na luta contra o patriarcado e o capitalismo.

 

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  • Algumas dessas condições podem não se aplicar se a permissão for obtida da(s) pessoa(s) detentora(s) dos direitos autorais.
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    • Ao reutilizar ou distribuir o trabalho, você deve tornar muito claros os termos da licença para este trabalho.
    • A melhor maneira de fazer isso é criar um link para esta página.

 

Perguntas frequentes

O que se entende por “princípios feministas”?

Isso cabe a cada pessoa, coletivo ou organização decidir. No mínimo, deve ter a aspiração de lutar contra a cisheteropatriarquia.

O que é cisheteropatriarquia?

É o sistema de organização social que tem o homem cisheterossexual como centro e medida de tudo; estabelecendo relações de poder e submissão desiguais com o resto dos seres humanos e a natureza.

 

Imagens para sua obra

Se quiser utilizar logotipos para identificar a licença, utilize os seguintes links:

 

Créditos

Essa licença foi criada pela coletiva la_bekka, e traduzida pelo coletivo planètes. A versão original em espanhol pode ser encontrada nesse link. A licença foi derivada de uma Licença de Produção de Pares.

A luta antimanicomial deve ser antiautoritária e anticapitalista

“Um poder de tipo soberania é substituído por um poder que poderíamos dizer de disciplina, e cujo efeito não é em absoluto consagrar o poder de alguém, concentrar o poder num indivíduo visível e nomeado, mas produzir efeito apenas em seu alvo, no corpo e na pessoa do rei descoroado, que deve ser tornado ‘dócil e submisso’ por esse novo poder” -Foucault

“Porque passei pela prisão, eu compreendo as pessoas e os animais que estão doentes, pobres, que sofrem. Eu me identifico com eles. Sinto-me um deles.” -Nise da Silveira

 

A luta contra os manicômios, em sua radicalidade, se baseia na ideia de que a psiquiatria e outras profissões médicas da saúde mental são, em última instância, um sistema de controle social escondido atrás deo que seria, na melhor das hipóteses, chamado de pseudociência. Os protestos contra os sistemas de saúde mental datam pelo menos desde o século XVII, quando internos do hospital de Bethlem pediram à Câmara dos Lordes que intervisse por um tratamento mais humano. A luta antimanicomial se distingue dessa tradição devido ao seu radicalismo: ao invés de buscar modernizar a psiquiatria, diminuir seu poder, ou prevenir o abuso, o trabalho dos militantes coloca em cheque toda a hierarquia do poder psiquiátrico, inserindo-a em uma lógica anti-autoritária mais geral. No Brasil, a luta antimanicomial se institucionalizou com a política de saúde mental, álcool e outras drogas; o problema dessa institucionalização é que corre o risco de perder a radicalidade anti-autoritária, ficando vulnerável a alterações de política com a proposta pelo governo Bolsonaro.

 

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Capitalismo de vigilância e tecnopolíticas do desejo

O Grande Irmão encontra Helmholtz Watson

No clássico “1984”, George Orwell apresenta uma distopia em que os cidadãos estão sempre sendo vigiados pelo Grande Irmão. Em uma releitura imaginativa do que Foucault chamaria de “Panóptico“, os cidadãos de Oceania estão sob constante vigilância, ou comportam-se como tal. Assim, em uma sociedade disciplinar, a onipresença das tecnologias de vigilância fazem com que os indivíduos se auto-censurem, mesmo que ninguém esteja vendo as câmeras. Os indivíduos internalizam o Grande Irmão.

O filósofo francês Gilles Deleuze assinala a mudança das tecnologias de vigilância na transição da sociedade disciplinar para sociedade de controle. Na sociedade disciplinar, a ideia de vigilância remetia ao confinamento e à restrição do movimento físico dos indivíduos no espaço. Vigiar era olhar e regular os passos dos indivíduos. Na transição para a sociedade de controle, com a explosão das comunicações, vigiar é fuçar mensagens, interceptar, ouvir, interpretar. Da câmera passamos aos dados.

Em uma carta já famosa endereçada a Orwel, Aldous Huxley – o escritor de outra distopia famosa da ficção científica, “Admirável Mundo Novo” – apontava que achava sua visão do futuro – uma sociedade controlada por atratores de desejo, que esvaziam os desejos mais radicais e os transformam em seu contrário – mais provável do que a sociedade baseada na violência exposta por Orwell. “Ainda na próxima geração, acedito que os comandantes deste mundo descobrirão que o condicionamento infantil e a narco-hipnose são mais eficientes, como instrumentos de governo, do que clubes e prisões, e que a sede de poder pode ser tão completamente satisfeita sugerindo que as pessoas amem sua servidão quanto chicoteando-as e chutando-as para que obedeçam”

É profundamente irônico que o capitalismo contemporâneo tenha encontrado como solução um misto de Orwell e Huxley: o capitalismo de vigilância.

 

Capitalismo de vigilância

Deleuze nos lembra que enquanto a sociedade disciplinar se constitui de poderes transversais que se dissimulam através das instituições modernas e de estratégias de disciplina e confinamento, a sociedade de controle é caracterizada pela invisibilidade e pelo nomandismo que se expande junto às redes de informação. A passagem de uma sociedade disciplinar a uma sociedade de controle tem como estratégia fundamental esvaziar a imagem da sua virtualidade para a tornar pura informação, parte dos dispositivos de vigilância e monitorização. Ao atribuir à imagem a potencialidade da informação, deslocamos a abordagem do campo de representação, passando a compreendê-la enquanto a própria expressão dos acontecimentos.

As tecnopolíticas da sociedade de controle fazem com que os indivíduos tornem-se separados, distintos, divididos, cindidos: “Já não nos encontramos lidando com o par massa / indivíduo. Os indivíduos tornaram-se ‘dividuais’ e massas, amostras, dados, mercados ou ‘bancos’“.

Onde se encontra a vigilância nesse movimento? A acadêmica Shoshana Zuboff criou o termo “capitalismo de vigilância” para descrever a nova configuração do capitalismo que monetiza dados adquiridos por vigilância. Recentemente, foi revelado que a concessionária da linha amarela do metrô de São Paulo instalou portas interativas digitais nas estações Luz, Pinheiros e Paulista. Por causa disso, sem escolha, os indivíduos entregam dados pessoais no metrô de São Paulo diariamente: as portas filmam os rostos de passageiros e procuram adivinhar as emoções sentidas no momento. A ideia é que isso ajude a categorizar os usuários e o metrô possa exibir propagandas de maneira eficiente.

Zuboff contrapõe a vigilância estatal, que objetiva o controle dos indivíduos e a identificação de pessoas específicas – típico das sociedades disciplinares – à vigilância do capitalismo. A metáfora do Big Brother foi substituída pelo Big Other.

No capitalismo de vigilância, a vigilância constante de nossos pensamentos, desejos, e ações, principalmente na Internet, combinada com análise de algoritmos por inteligência artificial resulta na previsão e manipulação de nossos desejos para a concentração de poder e riqueza na mão de poucos. “Em seu cerne, o capitalismo de vigilância é parasita e auto-referencial. Revive a velha imagem de Karl Marx do capitalismo como um vampiro que se alimenta do trabalho, mas com uma guinada inesperada. Ao invés de se alimentar do trabalho, o capitalismo de vigilância de alimenta de todos os aspectos da experiência humana”. As ferramentas do capitalismo de vigilância – e não estamos falando só do Google e do Facebook, mas de uma lógica pervasiva que atravessa todas as nossas relações online e, cada vez mais, offline – nos dessensibiliza para a destruição progressiva da autonomia individual e coletiva, da liberdade de pensamento e ação, da privacidade, e da memória, ao mesmo tempo em que demanda que as corporações e a classe rica tenham direitos absolutos.

Um manual de segurança digital para ativistas

São tempos sombrios pelo mundo inteiro; no Brasil, a ameaça do fascismo lança sombras desde o Estado até os indivíduos. Se, por um lado, Jair Bolsonaro representa a possibilidade de um Estado ditatorial – principalmente pelas suas conexões com o Exército -, seus seguidores também representam o “fascismo transversal”, esse fascismo da vida cotidiana dos “homens de bem”. De maneira importante os fascistas também estão se tornando muito mais sofisticados tecnicamente; é só ver os ataques que são feitos a partir dos chans. Por isso, é extremamente importante que nós ativistas nos apropriemos das ferramentas de segurança digital.Esse manual foi construído com base em diversos outros materiais que existem na Internet. Por exemplo, o DIY Feminist Cybersecurity Guide; o Kit de Primeiros Socorros de Segurança Digital para Defensores dos Direitos Humanos; o Guia de Cultura de Segurança; o Manual para Ativistas, produzido pelo Organizing for Autonomous Telecomms e traduzido pela Editora Monstro dos Mares; o Pequeno manual de segurança digital e o manual Cultura de segurança: Autodefesa na era digital, da Frente Antifa; e o Guia Paranóico de Segurança em Tempos Digitais. É preciso dar crédito a todas essas pessoas, das quais roubamos descaradamente.

PONTO IMPORTANTE: ESSAS INFORMAÇÕES SÃO VÁLIDAS PROVISORIAMENTE. PROCURE AS INFORMAÇÕES MAIS ATUALIZADAS!

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Como sobreviver ao fascismo

Postagem circulando em twitter, em nome de “Alex Prouchnoj”

 

1. Em primeiro lugar, calma. O medo é natural e inevitável. O importante é evitar o segundo estágio: o pânico. Porque o pânico gera ações irracionais que só agravam o problema da segurança. Reconheça as ameaças, mas não aumente o valor delas. Não difunda videos que mostrem o adversário em posição de superioridade. Exceto se for para denunciar uma violência que você sabe ser real. Não difunda mensagens pessimistas e de medo. Nem bazófias autossuficientes de heróis de teclado que nada farão. Seja discreto.

2. seja discreto. Se possível saia de algumas redes sociais. Informe-se com os companheiros anarquistas sobre segurança digital. Se tiver que usar para trabalhos escolares ou relações pessoais, não poste coisas polêmicas, mas também não fique em grupos emq ue haja fascistas declarados. Eles sabem sua opinião, vão provocá-lo. Mesmo se for um parente seu, pode inadvertidamente denunciar você para alguém que conhece seu patrão, por exemplo.

3. Não faça atividade política sozinho. Não vista roupas com mensagens revolucionárias sozinho. Não aceite provocações na rua. Especialmente em bares e festas. Ali, todos poderão estar animados por drogas para exercitar mais a violência. Mas, de novo, também não fique em pânico. Fascistas são covardes. Não agridem sozinhos, apenas em bandos. Desvie de bandos. Não rebata ofensas, mas não se deixe humilhar. Vá embora. Não ameace ninguém. Se preciso, pode se vingar, mas não avise antes, por supuesto.

4. Faça reuniões mensais com pessoas que pensam como você. Isso reforça a sensação de que não está só. Busque alegria em jantares e pequenas festas. Evite as grandes. Seja solidário com companheiros perseguidos, mas faça como Cristo manda: ninguém precisa saber que você ajudou.

5. Sem prejuízo de outros, leia livros de quem enfrentou o fascismo: Durruti, Stalin, Trotsky, Gramsci, Dimitrov e, especialmente, Togliatti. Não tenha preconceito ideológico agora. Só com a extrema direita.

6. Cuide da saúde física também. Faça algum esporte leve pelo menos. Caminhada, bicicleta. Sinta o vento ao rosto. Beba com moderação. Encha a cara de vez em quando com os amigos. De preferência em locais já bem conhecidos.

7. O fascismo no Brasil vai ficar por algum tempo na sua primeira fase. Aquela de Mussolini entre 1922 e 1926. Com parlamento funcionando, mas com violências dispersas, perseguições, delações, achincalhamento virtual, invasão de espaços culturais e universitários por bandos de energúmenos, agressões físicas, repressão a manifestações públicas e assassinatos de pobres na periferia. Eu sei que isso já acontecia, mas agora é outro patamar. Mas haverá espaço para crítica e este é o problema que comentaremos no pŕoximo item.

8. O espaço de crítica tem que ser usado com cuidado. Os fascistas marcarão o que você diz. Se considerarem que ameaça seu poder, reagirão. Por isso, apareça menos. Procure reforçar suas ideias lateralmente, com temas menos explícitos. Participe de instituições de sua categoria mesmo dirigidas por reacionários e observe. No cotidiano, converse com as pessoas sem agressividade. Ouça. Avalie seu interlocutor. Se ele for militante fascista, abandone-o. Se for um apoiador indeciso, introjete em sua mente conteúdos críticos. Para que ele vá além da aparência. Dialética é isso. Diálogo mais contradição. Não há ideologia sem o seu contrário. E se for uma pessoa democrata, busque consensos em torno disso, como explicarei no próximo item.

9. Uma derrota histórica da esquerda, joga também os liberais e conservadores democratas no mesmo terreno que nós. Assim como o golpe de 2016 fez a classe trabalhadora recuar e abandonar as novas formas de ação política, agora ela vai se agarrar ao mínimo comum: a democracia que lhe garante um terreno para defender os seus direitos. Com os trabalhadores devemos falar de democracia e economia porque eles são mais inteligentes. Com a pequena burguesia democrática devemos falar de democracia porque além disso teremos divergências inoportunas.

10. Nada está perdido. Confie na história. Já houve momentos piores. Estamos num ciclo recessivo associado à derrota de um ascenso político de esquerda. Leia poemas e mensagens otimistas de Mao, Ho Chi Minh, Brecht, as Instruções para esquivar o mau tempo de Paco Urondo e outros. Cuidado ao portar livros porque fascistas não leem e desconfiam de leitores. Use capas anódinas, cobertas de outro papel. Mas não desista, o fascismo é em si mesmo uma reação desesperada de uma classe agonizante. Parece eterno. Não é. Será derrotado como o foi em todas as outras ocasiões da história.